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Feira de sábado e um lugar no mundo.

No meio da minha lista de metas para 2024, entre vários itens não concluídos e outros sim, estava o desejo de escrever nesse blog. E no fim escrever sobre arquitetura foi uma das coisas que menos fiz esse ano. Fiz arquitetura, estudei, amei, me irritei com arquitetura...mas não escrevi. Porém esse é um blog dentro de um site de arquitetura, um grande dilema pra mim.


Só que no fim a vontade de escrever sobre outras coisas está latente na minha vida e hoje, eu pensei como essas palavras que ficam viajando na minha cabeça também podem fazer sentido aqui, afinal, as palavras são minhas e eu sou arquiteta.


Sábado pela manhã criei uma rotina com muito afeto.

Por algum trabalho muito bem feito do meu subconsciente, eu comprei um apartamento que fica a 10 minutos caminhando do parque da redenção. Meu pai era artesão e, quando eu era criança, todos os meus domingos eram brincando na banca de jogos de madeira do meu pai, justamente no brique da redenção. Depois, na adolescência, eu também passava os domingos 'ajudando' minha tia na banca de quadros dela. Eu definitivamente não merecia os trocados que ganhava porque eu mais passeava e encontrava amigas do que cuidava da banca, mas esse foi meu primeiro trabalho remunerado. Ok, não estamos mais nos anos 90 ou 2000, mas é esse o lugar que a rendenção tem na minha vida, faz parte dos meus finais de semana desde que me conheço por gente.


Voltando, comprei um apartamento no bairro e sábado pela manhã eu acordo, tomo café e vou andando até a feira de produtos orgânicos na redenção. Desço os 7 andares no elevador antigo do prédio dos anos 60. Reparo as intervenções - a maioria delas sem fazer jus a arquitetura moderna do edifício. Passo pelo prédio que me pediu orçamento para novas intervenções, torço para que me contratem. Passo pelos moradores de rua deitados perto do muro que tem pixado 'tanta casa sem gente e tanta gente sem casa'. Sempre acho isso triste e poético ao mesmo tempo. Me deparo com a ocupação de gatos na calçada: os vizinhos fizeram casinhas para uma família de gatos frajolas que moram ali.


A beleza de morar na cidade é poder andar por ela e ver a vida acontecendo: passo por lavanderia, farmária, bar, restaurante, salão de beleza, loja de bicicleta, de moldura e de arte.


Ah sim, é de lei eu passar na minha loja preferida e comprar nem que seja um lápis (eu sempre acho que preciso). É uma loja de produtos artísticos que não perde em nada para o mesmo tipo de loja em outros países, eu amo e meu cartão de crédito odeia. Na minha casa eu tenho um quarto sobrando e inicialmente pensava que era totalmente desnecessário. Foi nele que montei meu ateliê de arte e pra lá que vão todos os lápis, tintas, telas, pincéis e canetas compradas aos sábados. A gente pensa tanto no funcional, no necessário, no mínimo-básico pra viver quando monta uma casa...foi difícil me permitir fugir disso e criar esse espaço, tão desnecessário na vida prática e tão necessário pro meu lado criativo.


Começo a feira de orgânicos e quando eu estou sozinha, meu olhar vai registrando tantos acontecimentos peculiares, eles que me motivaram a escrever hoje.

A maioria dos feirantes são os próprios agricultores que vem do interior vender seus produtos. Eu categorizo em dois grupos: os gringos sérios - que na verdade não são sérios, são tímidos e sem jeito com o agito da cidade e o segundo grupo, os extremamente gentis e afetuosos. Os meninos das frutas vermelhas congeladas, são tão carismáticos e engraçados. Também tem o senhor das mudas de plantas que sempre me explica como cuidar de cada uma delas. Encontro clientes, amigos, música e um tanto de vida que me faz pensar como é a casa de cada uma daquelas pessoas. Tem gente que tem jeito de casa cheia, outros, de casa muito organizada...e por ai vai.


Volto pra minha, faço o mesmo caminho, dessa vez com o peso da feira, paro na ferragem do Seu Bittencourt porque a casa da gente sempre precisa de alguma coisa. Comprimento Seu Lucca que é um uruguaio com uma portinha minuscula que faz reparos em eletrodoméstico. E é nessa construção que vou entendendo que esse também é meu lugar, eu pertenço a esse organismo chamado bairro.


Chego em casa e fico com preguiça de organizar todas as compras. Espalho tudo na bancada - e eu lembro que coisa mais maravilhosa é ter uma bancada tão espaçosa na cozinha. Janelas abertas, vento cruzando o caminho.


Começo a observar os detalhes e sei que minha casa não é aquela casa que não da trabalho, não é aquela casa 'o mais fácil possível de limpar'. Ela é cheia de quadros, livros, tapetes, almofadas, plantas, louça no escorredor. Justamente porque, quando eu entro nela, cada detalhe me faz sentir pertencente nesse universo...uma pessoa, em um apartamento, dentro de um bairro, de uma cidade não tão grande, em um estado no final de um país continental. Se eu não transformar a cada dia, pouco a pouco, minha casa no meu lugar no mundo, sinto que vou ficar vagando por ai, perdida.


É, esse ano não foi, definitivamente, um ano de dar check em todos os itens da lista. Talvez eu tenha sido pretenciosa nos meus desejos. Mas eu amo acreditar que tudo pode ser possível. Enquanto isso, encontrar beleza na compra de flores da feira de sábado vai trazendo sentido pra vida.


Com carinho, Rafa.







 
 
 

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