Diretrizes para Abrigos Emergenciais e Reconstrução de Identidade em Tempos de Crise Climática
- Beró Arquitetura
- 3 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
Inúmeros estudos no campo da psicologia dissertam sobre como as nossas casas refletem quem somos, como pensamos, nossos gostos e personalidades.
Numa situação de desastre ambiental como a que estamos enfrentando, temos um número grande e repentino de refugiados climáticos, que viram suas casas serem invadidas pela água, e por consequência, a perda de parte de todas estas subjetividades citadas acima que compõe estes indivíduos.
Num primeiro momento, os abrigos emergenciais são os lugares onde estas pessoas são acolhidas e têm suas necessidades fisiológicas supridas: alimentação, hidratação, saneamento, proteção, conforto térmico, saúde, comunicação e é claro, descanso. Poderia acrescentar aqui também privacidade, que é fundamental para o reestabelecimento da integridade do indivíduo, mas este é um assunto para uma próxima conversa.
No momento da construção de abrigos emergenciais quando a crise estava se agravando em ritmo crescente e não tínhamos a ideia da proporção que as coisas iam tomar, mas precisávamos agir para garantir aos refugiados um abrigo, tivemos que improvisar com o conhecimento que trouxemos na bagagem e adaptar para a realidade que estava brutalmente colocada diante de nós.
Cheguei no galpão no início da tarde do dia 05 de maio. Às 17h já tínhamos a estrutura “pronta” para chamar de abrigo. Às 22h começamos a receber as primeiras pessoas. Foi um pouco frustrante pois eu tinha noção que aquilo era o palpável, o que conseguimos fazer. Apesar de ser muito (100 camas dispostas, cozinha montada, muitas doações de alimentos e roupas, um espaço para triagem médica) era longe do ideal, do que aquelas pessoas de fato precisavam e mereciam. Uma outra realidade me esmagou naquele momento. Sei que temos muito a compartilhar das nossas experiências pessoais e gradualmente o faremos. Mas o que me propus foi trazer aqui algumas diretrizes para quem gostaria por curiosidade ou por conhecimento, entender como os abrigos devem ser idealmente.

Quando falamos de construções e arquitetura, sempre nos guiamos por normas técnicas. As NBR, abreviação para Normas brasileiras, são elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Neste caso, não encontrei nenhuma NBR que trate de abrigos emergenciais, então baseei minha busca em bibliografia e em teses acadêmicas.
Os pontos que achei interessantes em compartilhar foram os seguintes;
A quantidade de trocas de ar necessária por pessoas é de 30 m³ por hora (SKEET, 1977), o que nos leva a necessidade ou não de sistemas de ventilação e exaustão mecânicos.
Para atenuar o risco de contágio de doenças, especialmente as respiratórias, assim como prover maior conforto para os abrigados, recomenda-se seguir os seguintes aspectos (CLARDY, 2004) em relação às camas:
Desejável que estas estejam espaçadas 1,50m uma da outra (no mínimo 0,7m);
Caso seja necessário espaçar as camas com menos de 1,5m de distância, as fileiras de camas devem ser postas alternadas, em relação aos pés e à cabeça, para aumentar a distância das cabeças das pessoas quando deitadas; além disso, colchões não devem ser postos em contato direto com o piso, mas a pelo menos 30cm de distância.
Se possível, dividir o espaço de forma que fique uma área de 5,5m² (no mínimo 3,7m²) para cada cama.

Já para as instalações sanitárias, é desejável que haja, Segundo (SKEET, 1977),
(SANTOS, 1999) e (CLARDY, 2004):
1 vaso sanitário para 10 residentes (mictórios podem substituir até a metade dos vasos sanitários para os banheiros destinados aos homens);
1 lavatório para 10 residentes;
1 chuveiro para cada 50 residentes (locais de climas temperados. Em climas quentes, 1/30);
1 pia de serviço para 100 residentes;
O volume total de água estimado é de 40 litros/pessoa/dia.
Todas as referências estudadas de situações onde edificações como ginásios, galpões e escolas foram utilizados como abrigo, mostram condições que não atendem os requisitos mínimos citados acima. A partir dessa constatação, podemos apontar duas possibilidades: a primeira seria o desenvolvimento de um mobiliário ou equipamento que melhor adaptasse esses espaços; através desse mobiliário os espaços poderiam trazer melhor conforto, privacidade e redução da disseminação de doenças entre os abrigados nestes espaços. A segunda, que demanda mais tempo e dinheiro, é haver um local com construções pré- fabricadas e que podem ser montadas com certa rapidez para que as pessoas tenham condições desejáveis de abrigar-se em um curto espaço de tempo.
Com a passagem do tempo, cada vez que eu retornava para o abrigo via melhorias. Os voluntários e os próprios abrigados contribuíam para consertar e melhorar o espaço.
Ainda estamos enfrentando esta crise, e estamos todos realizando um esforço imenso para recriar uma base para recomeçar. No escritório buscamos parcerias e criamos dois projetos muito legais para contribuir com a reconstrução do nosso estado.
Uma delas é a cicular.rs, que estimula pessoas a doarem móveis em bom estado para que outras pessoas possam reconstruir suas casas. Esta alternativa além de eficaz para fins práticos e funcionais, é uma prática sustentável.
O outro projeto é uma oficina de projetos de móveis para situações de emergência, que será ministrada pela Sócia-fundadora da Beró Arquitetura e mestranda Arq. Rafaela Bonotto e pelo designer de móveis Eduardo Soster.
Estas são as formas que encontramos para que as pessoas possam em breve voltar para seus lares ou novas moradias e aos poucos colocar as coisas em ordem.
Lembre-se: A casa é mais do que um abrigo físico. É um reflexo de quem somos. A perda do lar é uma ruptura profunda, mas com apoio e medidas adequadas, podemos ajudar os refugiados climáticos a reconstruírem sua identidade e recomeçarem suas vidas.

voluntários montando o abrigo

organização de doações
Fotos: Amanda Segatto
Arq. Mariana Bidel
Muito interessante essas diretrizes para a montagem de abrigos.